PODER JUDICIÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. JUÍZO DE DIREITO DAVARA DOS FEITOS DE RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DA COMARCA DE CIPÓ. PROCESSO: 8000395-02.2016.8.05.0058. AUTOR: DIELSON TARCISIO RIBEIRO SANTOS. RÉUS: PREFEITA DO MUNICÍPIO DE RIBEIRA DO AMPARO e MUNICÍPIO DE RIBEIRA DO AMPARO.
DECISÃO. Vistos etc.Trata-se de AÇÃO POPULAR, com pedido de LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS contra ato da PREFEITA DO MUNICÍPIO DE RIBEIRA DO AMPARO, Tetiana de Paula Fontes Cedro Brito e também contra o MUNICÍPIO DE RIBEIRA DO AMPARO, proposta por DIELSON TARCISIO RIBEIRO SANTOS, devidamente qualificado na inicial, requerendo a concessão de medida liminar de urgência “inaudita altera pars” para que, em apertada síntese, seja determinada a indisponibilidade do valor de precatório a ser disponibilizado para o Município de Ribeira do Amparo/BA, suspensão de licitações e proibição de concessão de aumentos e vantagens a servidores.
A Ação Popular é um instituto previsto na Constituição Federal, posto à disposição dos cidadãos brasileiros que estejam no gozo de seus direitos cívicos e políticos, que visa à obtenção da invalidade de atos ou contratos administrativos ilegais ou lesivos ao patrimônio da administração pública. Seu cunho é essencialmente social e nunca individual.Diz o art. 5º, inc. LXXIII do texto constitucional: Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Ao lecionar a respeito da Ação Popular, destaca JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO: Outro instrumento relevante de tutela jurisdicional é a ação popular, contemplada no art. 5º, LXXIII, da vigente Constituição. Anteriormente só direcionada à tutela do patrimônio público econômico, passou a tutelar, mais especificamente, outros bens jurídicos de inegável destaque social, como meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e a moralidade administrativa. Pela ação popular, regulamentada pela Lei nº 4.717/65, qualquer cidadão pode deduzir a pretensão de anular atos do Poder Público contaminados de imoralidade administrativa". (Manual de Direito Administrativo, 15ª edição, ed. Lúmen Júris, 2006, p. 18)
Este instrumento constitucional possui pedido imediato de natureza desconstitutiva-condenatória, pois colima, precipuamente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer um dos bens ou valores enumerados no inciso LXXIII, do art. 5º da CF/88 e, consequentemente, a condenação dos responsáveis e dos beneficiários diretos ao ressarcimento ou às perdas e danos correspondentes (arts. 11 e 14, da Lei de Ação Popular).
Percebe-se, assim, que o binômio ilegalidade-lesividade configura pressuposto elementar para a admissibilidade e a consequente procedência da Ação Popular, para que haja a condenação dos requeridos. Quanto a medida medida liminar de urgência, a mesma é admitida quando evidenciada a probabilidade do direito e havendo justificado perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, consoante arts. 294 e 300 do NCPC.
A medida liminar constitui providência de urgência que visa resguardar o Suplicante dos efeitos nocivos do tempo até que se decida em definitivo o direito reclamado, tendo em vista a utilidade do decisum, visando a salvaguardar o direito ao pronunciamento judicial que será dado ao final. Como afirma Othon Sidou, “A liminar é medida administrativa de juízo e só é tomada no exclusivo intuito de garantir a inteireza da sentença..” em Medidas Liminares na Doutrina e Jurisprudência. Reis Friede: ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 37.
Com efeito, presente a iminência de grave lesão ao direito reclamado surge a medida liminar como remédio jurídico para resguardar, de forma urgente e imediata, o provimento jurisdicional a ser concedido ao final, através de uma providência acautelatória baseada no poder do julgador.
Diga-se, ainda, que a medida liminar não tem nenhuma ligação com o conteúdo da ação principal, que é meritória, tanto que a concessão da primeira em nada significa ao provimento ou não do conteúdo da ação principal, o que equivale a dizer que a liminar, como demonstra a expressão, vem primeiro que o principal e com este não se confunde. Nesses termos, a pretensão aqui discutida encontra-se perfeitamente protegida pelo ordenamento jurídico, pois presentes o fumus boni juris e o periculum in mora.
O fumus boni iuris se denota pelo fato de que há indícios, muito fortes, de que os réus estão descumprindo, o que determina a LRF, no seu art. 42, que dispõe que é vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesas que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito É fato notório que há vários meses o Município de Ribeira do Amparo vem atrasando pagamentos a servidores e terceirizados, sob o argumento de que passa por uma grande crise e não tem dinheiro para arcar com tais despesas.
Tais atrasos motivaram diversos protestos de servidores, que culminaram, inclusive, com o ingresso dos mesmos no Fórum desta Comarca, munidos de colchões e sacos de dormir, pois a Justiça era sua última esperança. Naquela ocasião, foi realizada, de forma emergencial, uma reunião entre os representantes do servidores, a Prefeita responsável pelos atos impugnados, pelo Ministério Público e este Magistrado. A Prefeita de Ribeira do Amparo, então, explicitou a calamitosa situação do Município e a falta completa de condições financeiras para honrar qualquer compromisso, mas apresentou um plano de pagamento parcelado dos salários, o que foi aceito pelos servidores.
Interessante notar que tais argumentos de calamidade financeira já vinham sendo utilizados pelo Município de Ribeira do Amparo como defesa em ações judiciais que exigiam pagamentos do Município. Este Magistrado, confiante e compadecido pela crise financeira que o Município alegava passar, evitou fazer bloqueios de verbas municipais, que poderiam agravar, ainda mais, a crise alegada.
Entretanto, conforme se depreende das alegações e documentos trazidos na inicial, a Prefeitura de Ribeira do Amparo, no mês de novembro, pouco após as eleições, ocasião na qual a Prefeita não obteve a reeleição, promoveu a abertura de diversos procedimentos licitatórios, mesmo sabendo que não seria a gestora dos próximos quatro mandatos e que não havia disponibilidade de caixa para honrar os compromissos em seu mandato, uma vez que, como se disse, centenas de compromissos financeiros já estavam sendo descumpridos no mês de novembro e nos meses anteriores.Além disso, é dezarrazoado que um Prefeito promova, há poucos dias do fim do seu mandato a abertura de 16 (DEZESSEIS) procedimentos licitatórios.
Quanto ao perigo de demora da decisão, analisando-se a documentação acostada de ID 4270293, 4270299 4270304, 4270332, verifica-se que os Pregões Presenciais de nº 039.2016, 040.2016, 041.2016, 042.2016, 043.2016, as Tomadas de Preço de nº 008.2016, 009.2016, 010.2016, 011.2016, 012.2016, 013.2016, 016.2016 e a Concorrência de nº 002/2016 preveem a contratação de diversos equipamentos de uso durável e serviços de trato sucessivo: cuja falta de contratação não compromete a gestão em encerramento; que podem não ser de interesse da nova gestão; e que terão um custos muitíssimo elevado para um Município que sequer conseguia, na época dos editais, pagar os salário de seus servidores.
Entretanto, quanto aos Pregões Presenciais 036.2016, 037.2016 e 038.2016, verifico que os mesmos tratam da contratações de materiais de saúde, digitalização de documentos e levantamento patrimonial. Portanto, são serviços que podem ser urgentes e necessários para transmissão de gestão Municipal.
Desta feita, o pedido liminar encontra abrigo não só na legislação, mas sobretudo nas razões fáticas invocadas pela parte autora, que revelam, desde logo, o prejuízo a que estará submetido caso não haja a interveniência do Judiciário. Além disso, a parte Ré poderá a qualquer tempo, após resolução de todos os litígios em torno do repasse do precatório supracitado, dispor de seus créditos, de sorte que a liminar não estará, de forma alguma, cerceando seus direitos, mas tão somente evitando prejuízos ao Demandante, bem como o esvaziamento dos efeitos da sentença final.
Ademais, deve ser observado o caráter atípico da tutela prevista pelo art. 297 do NCPC, segundo o qual o Juiz poderá determinar “as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”. Assim, estando presentes os pressupostos para a concessão da medida liminar de urgência, a providência cautelar deve ser concedida de imediato.
Por fim, este Magistrado entende que a competência para decidir sobre a destinação de verbas recebidas em virtude de precatório, por diferença de repasse FUNDEB, deve ser da Justiça Federal. No presente caso, entretanto, o bloqueio é destinado a assegurar a efetividade de decisão judicial e não em razão da discussão do destino futuro da verba. Frise-se, ainda, que face a exiguidade do tempo e urgência na aplicação da medida, não se pode efetuar o bloqueio no BACENJUD, uma vez que, ainda que o mesmo fosse solicitado hoje, provavelmente só seria realizado, na melhor das hipóteses, no próximo dia útil ou já em período de recesso forense. Quanto a determinação para que o Município não conceda aumentos ou vantagens aos servidores, em desacordo com a lei, não houve prova de que o Municipio fez ou pretenda fazer isso, e caso o faça, as possíveis implicações legais poderão ser apuradas pelo Ministério público.
Em razão do ora expendido, DEFIRO EM PARTE A CONCESSÃO DE LIMINAR, INAUDITA ALTERA PARS, e:e a) Determino a imediata suspensão dos seguintes procedimentos licitatórios e dos pagamentos a ele relacionados: os Pregões Presenciais de nº 039.2016, 040.2016, 041.2016, 042.2016, 043.2016, as Tomadas de Preço de nº 008.2016, 009.2016, 010.2016, 011.2016, 012.2016, 013.2016, 016.2016 e a Concorrência de nº 002/2016.
b) DETERMINO O BLOQUEIO, MEDIANTE ARRESTO, dos valores de precatório, referente ao FUNDEF/FUNDEB repassado a menor pela União ao Município de Ribeira do Amparo/BA, com a imediata transferência para conta judicial à disposição deste Juízo, vinculada ao presente processo, tão logo seja disponibilizado o precatório para a parte Requerida, até ulterior deliberação. c) DETERMINO que a Prefeita Municipal não faça uso das verbas decorrentes do pagamento de precatório referente ao FUNDEF/FUNDEB repassado a menor pela União ao Município de Ribeira do Amparo/BA, sob pena de bloqueio e sequestro, em seu patrimônio, de valores equivalentes aos utilizados, bem como em incorrer em crime de desobediência.
Oficie-se, com urgência, o Banco do Brasil para que: promova o imediato bloqueio dos precatórios recebidos pela Município de Ribeira do Amparo, oriundos da Justiça Federal, no mês de dezembro; e informe a este Magistrado o número das contas onde depositados, sob pena de multa cominatória diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em favor do Município de Ribeira do Amparo, sem prejuízo de crime de desobediência pelo preposto responsável pelo cumprimento da medida. DOU PARA ESTE EFEITO, FACE A URGÊNCIA DO CASO, FORÇA DE OFÍCIO A ESTA DECISÃO.
Oficie-se a União, por sua procuradoria, pelo meio mais eficaz, para que, se ainda não houver transferido para as contas do Município de Ribeira do Amparo, efetue o depósito do valor do precatório supramencionado, devidamente atualizado, em conta judicial à disposição deste Juízo, sob as penas da multa cominatória disposta no parágrafo anterior. DOU PARA ESTE EFEITO, FACE A URGÊNCIA DO CASO, FORÇA DE OFÍCIO A ESTA DECISÃO.
Intime-se a Prefeita de Ribeira do Amparo desta decisão e para que não faça uso das verbas decorrentes do pagamento de precatório referente ao FUNDEF/FUNDEB repassado a menor pela União ao Município de Ribeira do Amparo/BA, sob pena de bloqueio e sequestro, em seu patrimônio, de valores equivalentes aos utilizados, bem como em incorrer em crime de desobediência. DOU PARA ESTE EFEITO, FACE A URGÊNCIA DO CASO, FORÇA DE MANDADO A ESTA DECISÃO.
Intime-se, ainda, o Procurador do Município de Ribeira do Amparo/BA. DOU PARA ESTE EFEITO, FACE A URGÊNCIA DO CASO, FORÇA DE MANDADO A ESTA DECISÃO. Cite-se os réus para apresentar contestação no prazo de 20 (vinte) dias.Intime-se o Ministério Público.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cipó, 16 de dezembro de 2016. Abraão Barreto Cordeiro. Juiz de Direito
Postagem: Brankinho Mendes
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