Ao tomar conhecimento da bela matéria: “O maestro marcado para morrer após
fotografar Lampião
em Ribeira do
Pombal”, do
jornalista André
Uzêda, publicada
no Correio da Bahia
em 28 de fevereiro
de 2021, na qual
ele enfoca a
histórica foto de Virgulino Ferreira da Silva e uma parte do seu bando em passagem pelo
povoado de Ribeira do Pombal, em 17 de dezembro de 1928, tirada por Alcides.
É um relato perfeito e cheio de detalhes sobre o transcurso de Lampião no povoado e a
exigência do Bandoleiro para registrar esse momento, por meio da foto icônica do Rei
do Cangaço, a única tirada em território baiano, a qual correu o Brasil e o mundo.
Deduzo, que essa foto, exigida por Lampião, era para ter tido uma só cópia, e com
devolução do negativo, mas a sagacidade de Alcides, o fez desobedecer às ordens de
Virgulino, e gerou uma outra cópia, pois ele lhe dera três dias para entregá-la. O coagido
fotógrafo, pressionado, teve que usar sua influência com químicos da região para
cumprir o ultimato, em virtude da revelação, na época, só ser possível em Salvador, que
demandaria pelo menos oito dias para chegar. Alcides cumpriu o determinado e
entregou a foto, a um cabra do bando, que no dia determinado pelo Capitão Ferreira,
foi a Ribeira do Pombal buscar o retrato.
Depois dessa foto tirada, a vida de Alcides Fraga tornou-se um inferno, porquanto
Lampião achou que ele o denunciou a volante – grupo de policiais que estava à caça do
bando – ficando, por isso, jurado de morte por Virgulino, principalmente, depois que
policiais tiveram um confronto com a trupe, no povoado de Abóboras, no qual foi morto
o cangaceiro Mergulhão.
Por outro lado, Alcides foi sabatinado pelos policiais, os quais exigiam dele o paradeiro
da malta, visto que, achavam, devido a fotografia, que ele era informante e protegido
de Lampião.
A situação ficou insustentável para o ora fotógrafo, pois ele estava em um beco sem
saída, e, praticamente, caiu em descrédito perante as autoridades e diante do chefe do
bando nordestino.
Com o impasse criado, Alcides, um próspero microempresário na região, não teve outra
alternativa largou o povoado com tudo que tinha e fugiu do lugarejo.
Foto de Alcides: restaurada por Rubens Antônio. O primeiro à esquerda: Lampião..
Muitos acham que ele perambulou por muitas cidades, mas antes dele chegar em Cipó,
tomei conhecimento que morou em Nova Soure, onde abriu uma alfaiataria
permanecendo por lá por muitos anos.
Já relatei quando escrevi sobre a Filarmônica de Cipó, que o Mestre Alcides, nome dado
a quem transmitia sua arte aos pupilos, como era conhecido em nossa cidade, veio parar
na nossa Estância Hidromineral, aproximadamente no final dos anos 30 ou início dos
anos 40, já depois da morte de Lampião em 28 de julho de 1938, na Grota de Angico, no
Estado de Sergipe, e, por consequência, o fim do bando.
Fixou-se em Cipó, abrindo uma alfaiataria, trazido por meu pai, Abdon Leone, que
também possuía uma alfaiataria na cidade. Os dois se tornaram grandes amigos, uma
vez que, já existia uma parceria de trabalho entre ambos, quando as cidades vizinhas
estavam em festas, principalmente, os festejos das Padroeiras N. S. da Saúde (Cipó) e N.
S. da Conceição (Nova Soure), inclusive meu primo, Nicanor Oliveira, passou vários
períodos em Nova Soure prestando serviço de costura em seu atelier. A amizade de meu
pai era tão sadia que ele o trouxe para nossa cidade sem o menor receio de uma futura
concorrência para angariar clientes. Cipó já dispunha de um grande fluxo de banhistas
(nomes dados aos visitantes que vinham usufruir de suas águas termais), e a arte de
costurar tinha uma grande demanda.
O mestre Alcides morou na casa de Chico Guarda, que hoje fica ao lado da loja de Chico,
com sua bela mulher Rita de Cássia, conhecida como Morena, e tinha um casal de filhos,
de nomes Moacyr (que tocava saxofone na filarmônica de Cipó) e Madalena.
Sua alfaiataria, inicialmente, ficava em umas das casas perto da residência de Dr. Guerra,
junto ao antigo Bar do Gordo. Depois ele a mudou para o local onde hoje é a Farmácia
Shalom.
Mestre Alcides, o primeiro à direita com a batuta na mão,
os componentes e convidados da Filarmônica de Cipó. Foto: Acervo: Sônia Cerqueira, álbum de família. Seu avô,
Ioiô Ventinha, foi Presidente da Banda.
O maestro Alcides,
junto com seu Antônio
do Posto, enfermeiro
da cidade, pai de
Climério, Clemildo,
Clemilson, Clélio,
Clóvis, Cléa, Cleilda e
esposo de dona
Bubuca, um ser
humano fora de série,
criaram a primeira
filarmônica de Cipó.
A filarmônica foi um
sucesso e por muitos
anos foi uma grande
atração em Cipó e região, a qual revelou vários jovens músicos como: Nelito e Wilson
Leone, Nicanor, Dário, Zinho Mascarenhas, Kidão, Alfredo, Popô, Zelito de Santinha,
Mestre Alcides, o primeiro à direita com a batuta na mão, os componentes e
convidados da Filarmônica de Cipó. Foto: Acervo: Sônia Cerqueira, álbum de
família. Seu avô, Ioiô Ventinha, foi Presidente da Banda.
entre muitos outros. É interessante destacar que o mestre Alcides já tinha criado a
filarmônica 15 de outubro de Ribeira do Pombal e desfrutava de uma versatilidade muito
grande com os instrumentos musicais, pois tocava todos da Filarmônica.
Nos anos 50, o maestro sofreu uma grande
decepção, sua mulher o deixou e viajou para o
sul da Bahia, precisamente, Ilhéus, levando seus
dois filhos com seu novo companheiro. Isso fica
patente na música de José Ramalho e Otacílio
Batista: “Mulher nova, bonita e Carinhosa/Faz o
homem gemer sem sentir dor”...
Na verdade, ela já estava enrabichada com um
sobrinho de seu Pedro Gil, o qual possuía uma
loja de tecidos no município, que ficava
localizada onde hoje é o Bar de Zé do Clube, de
nome Zé de Janjão.
A partir daí o mestre Alcides começou a declinar,
sua paixão por Morena o deixou com muitas
cicatrizes, os filhos resolveram acompanhar a
mãe o que o deixou sem rumo, entregando-se ao
álcool, em uma busca desesperada de uma solução para o ocorrido. Uma tentativa inútil,
o que o deixou com sequelas devastadoras, como bem retrata a música O Ébrio de
Vicente Celestino, o efeito do álcool, lançada em 1946: Tornei-me um ébrio na bebida,
busco esquecer, aquela ingrata que eu amava e que me abandonou...
Sua alfaiataria não era mais a mesma. Arranjou outra companheira, filha de Nova Soure,
mas sem esquecer de sua paixão avassaladora por Morena. Viveu seus últimos dias
fazendo pequenos arremates de sua arte (pregando botões, fazendo bainhas e outras
coisas relacionadas), para sobreviver, e, às vezes, contando com a ajuda de amigos.
Morreu quase na miséria, porém nunca foi pego por Virgulino, nem nunca foi provado
pela polícia sua proteção ao bando de Lampião. Em suma: A foto que o tornou
celebridade, o levou a uma vida tumultuada e a indigência! E seus restos mortais
encontram-se no Cemitério N. Sra. Do Carmo, na Rua 3 de Maio, em Cipó, sem nenhuma
lápide, perdido entre muitos outros túmulos, sem nenhuma possibilidade de
identificação. Percalços da vida!....
Salvador, 05 de março de 2021
Sílvio Leone - Na segunda onda da pandemia, contando histórias...
1 Comentários
Grande artigo histórico, Silvio!! Continue a nos presentear escrevendo sobre eventos ocorridos em Cipó - cidade onde eu morei e sonho em morar de novo. Parabéns!
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